Como vulcão em erupção pode ter levado à pandemia de Peste Negra

Pesquisadores de clima e história unem dados científicos e documentos históricos para traçar a "tempestade perfeita" que levou à pandemia que dizimou a Europa no século XIV. Foto: Reprodução/Wikipedia

A Peste Negra, uma das pandemias mais devastadoras da história que eliminou até metade da população europeia, pode ter sido acidentalmente desencadeada por uma erupção vulcânica, de acordo com um novo e intrigante estudo publicado nesta quinta-feira (4) na revista Communications Earth & Environment.

Ao combinar a análise de anéis de árvores europeias, dados de núcleos de gelo da Groenlândia e Antártida e um meticuloso exame de documentos históricos, uma equipe internacional de pesquisadores construiu um cenário inédito: um evento climático extremo teria forçado as cidades italianas a recorrerem a um comércio de emergência que, sem saber, importou a bactéria mortal.

Os autores do estudo propõem que uma grande erupção vulcânica – ou um conjunto delas, de localização desconhecida, mas provavelmente nos trópicos – ocorreu por volta de 1345.

A névoa de cinzas resultante bloqueou parcialmente a luz solar na região do Mediterrâneo por vários anos, causando uma brusca queda nas temperaturas e perdas significativas nas colheitas, gerando uma grave escassez de grãos.

​"Descobri que a fome mais pronunciada dos séculos XIII e XIV ocorreu especificamente nesses anos que precederam diretamente a Peste Negra," explicou o coautor do estudo, Martin Bauch, historiador de clima e epidemiologia medieval do Instituto Leibniz na Alemanha.

Para evitar a fome e a agitação civil, potências marítimas como Gênova e Veneza foram obrigadas a buscar importações emergenciais de grãos da região do Mar Negro.

Foi nesses carregamentos vitais que a bactéria Yersinia pestis viajou.

Os navios que transportavam os grãos estavam inadvertidamente infestados com a bactéria mortal, originária de populações de roedores selvagens da Ásia Central. O patógeno era transportado por pulgas de ratos, que encontraram nos grãos uma forma de sobrevivência para a longa viagem.

"As pulgas de rato são atraídas por armazéns de grãos e podem sobreviver por meses alimentando-se de pó de grãos como fonte emergencial de alimento, permitindo que suportem a longa viagem do Mar Negro até a Itália," detalhou Bauch.

Uma vez nos portos italianos, a redistribuição dos grãos levou os ratos e suas pulgas infectadas para armazéns centrais e cidades densamente povoadas, iniciando a devastação.

Entre 1347 e 1351, a Peste Negra matou pelo menos 25 milhões de pessoas, moldando a paisagem social, econômica e cultural do continente por décadas.

​A grande inovação do estudo reside na união de disciplinas. Martin Bauch combinou documentos históricos, incluindo registros administrativos e tratados, enquanto seu coautor, Ulf Büntgen, professor da Universidade de Cambridge, forneceu as evidências climáticas:

  • Anéis de Árvores: A análise de milhares de amostras de árvores de toda a Europa revelou anéis mais estreitos, indicando um resfriamento climático anômalo por dois a três anos consecutivos, que se alinha perfeitamente com a hipótese da fome de Bauch.

  • Núcleos de Gelo: Dados independentes de núcleos de gelo corroboraram a análise, mostrando "picos de enxofre" que são a clara assinatura química de uma grande erupção vulcânica por volta de 1345.

Büntgen ressaltou que a origem vulcânica pode ajudar a explicar um dos mistérios duradouros da Peste Negra: por que algumas cidades como Roma ou Milão foram poupadas, enquanto outras foram devastadas. A resposta pode estar na dependência da importação de grãos.

"Por exemplo, a peste não se espalhou para Roma ou Milão. Eram grandes cidades, mas estavam cercadas por áreas produtoras de grãos, então não precisavam importar com tanta urgência como Veneza e Gênova," disse Bauch.

O novo estudo é o primeiro a sugerir que a erupção vulcânica foi a primeira peça em uma complexa e trágica cascata de eventos.

O professor Mark Welford, da Universidade do Norte de Iowa, que não esteve envolvido no trabalho, notou que a pesquisa adiciona um "novo elemento interessante" à compreensão da intersecção entre mudanças climáticas e dinâmica das doenças, enquanto o professor Mark Bailey, da Universidade de East Anglia, elogiou a sensatez dos autores em reconhecer que a Peste Negra foi resultado de uma "coincidência excepcional de forças naturais e sociais".

Fonte: www.cnnbrasil.com.br

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