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| O Coreia do Sul vive um decline-o demográfico. Foto: Ilustração |
Ao visitar as grandes cidades sul-coreanas, é comum notar uma profusão de anúncios das hagwon. Essas são escolas particulares frequentadas por estudantes que buscam excelência em inglês, matemática, ou desejam alcançar as melhores notas em provas cruciais. Em 2020, o país já contava com mais de 70 mil dessas instituições.
A Coreia do Sul enfrenta um declínio preocupante em sua taxa de natalidade, que atualmente registra 0,72 filhos por mulher. As autoridades consideram essa situação uma "emergência nacional", com impactos em diversas esferas, desde a economia até a defesa do país. Curiosamente, um levantamento da DW aponta que a Coreia do Sul é o local mais dispendioso para criar um filho até a idade adulta, correspondendo a 7,79 vezes o PIB per capita. Em termos monetários, isso representa cerca de 365 milhões de KRW (aproximadamente R$ 1,48 milhão).
O alto custo da educação e suas implicações sociais
Projeções da BBC Brasil indicam um futuro desafiador: em 50 anos, a população em idade ativa deverá cair pela metade. Além disso, o número de cidadãos aptos para o serviço militar obrigatório pode diminuir em 58%, e quase metade da população terá mais de 65 anos.
Segundo o Korea Times, as famílias sul-coreanas direcionam mais recursos para aulas particulares e atividades extracurriculares dos filhos do que para despesas essenciais como alimentação e moradia. Esse padrão de gastos não se limita aos lares de maior poder aquisitivo, mas se estende por todas as camadas sociais. Dados do Ministério da Educação e Estatística, divulgados pelo IGN Brasil, revelam que em 2022 o investimento total no ensino privado alcançou aproximadamente US$ 19,7 bilhões. Esse valor representa um aumento de 10,8% em relação ao ano anterior, que já havia estabelecido um recorde. Esse aumento substancial reflete a crescente prioridade das famílias em investir na formação das próximas gerações, em parte, incentivado pelo governo que ampliou o número de vagas em faculdades de medicina.
Um instrutor da Megastudy, uma das maiores academias da Coreia, explicou em uma palestra reportada pelo The Chosun Daily: "Com um aumento de 2.000 vagas nas faculdades de medicina, pode-se errar cerca de quatro questões a mais no SAT coreano deste ano e ainda assim conseguir uma vaga em uma escola de medicina regional". Um funcionário da academia complementou: "Após o anúncio do governo sobre o aumento das vagas, recebemos uma avalanche de consultas de pessoas que já tinham emprego em tempo integral e queriam se inscrever, então decidimos abrir mais turmas."
Hagwon: A busca incansável pela excelência acadêmica
As hagwon são descritas como "escolas intensivas", academias e centros de estudo privados onde os alunos complementam o aprendizado escolar, aprofundam-se em matérias adicionais e se preparam para exames cruciais, como o suneung (ou CSAT) – prova que inspirou o Enem brasileiro e que é a porta de entrada para as universidades do país.
Pesquisas indicam que uma parcela significativa de crianças frequenta essas instituições: 35,5% dos dois anos e 83,6% dos cinco anos de idade. Essa categoria abrange tanto as hagwon tradicionais quanto centros culturais, creches, jardins de infância ou cursos ministrados em casa, seja presencialmente ou online.
Conforme Han Ye-jung, advogado e pai, compartilhou com o portal DW: "Uma educação privada de qualidade, somada ao ensino regular, tem como propósito assegurar que a criança alcance boas notas e uma vaga nas melhores universidades". Ele enfatiza: "Isso, por sua vez, deveria garantir um bom emprego, tornando o ingresso em uma universidade de ponta crucial para o sucesso na vida."
Esse modelo educacional gera debates no país. Há quem critique a competição excessiva nas salas de aula e considere os gastos com educação descontrolados. Por outro lado, muitos argumentam que é desafiador para os alunos se prepararem para os exames sem o suporte especializado desses centros.
O paradoxo coreano: Custo de vida elevado e baixa natalidade
A expansão do setor privado na educação cria um entrave para o crescimento populacional. Os custos elevados da educação representam uma barreira à natalidade, somando-se à imensa pressão imposta às crianças e à economia nacional. Há quem acuse esses cursos de "explorar a ansiedade" dos pais, prometendo que seus filhos conseguirão uma boa educação e empregos de qualidade na competitiva Coreia.
Kim, um estudante que frequenta um desses centros, observa: "É difícil se preparar para os exames por conta própria quando as hagwon oferecem uma vasta quantidade de material de estudo que de outra forma seria inacessível."
Filhos e a dureza do mercado de trabalho
A mentalidade coreana valoriza o autoaperfeiçoamento contínuo; a percepção de estagnação é vista como um caminho para o fracasso. Esse temor leva muitos a trabalhar incansavelmente. É comum observar pessoas fazendo horas extras e assumindo múltiplas jornadas.
"Às vezes, nos fins de semana, tomo soro intravenoso apenas para ter energia suficiente para retornar ao trabalho na segunda-feira", relatou Yejin casualmente em entrevista à BBC em Seul. Para ela, trabalhar na Coreia é estar "preso em um ciclo perpétuo de trabalho".
"Há uma expectativa não-dita nas empresas de que, ao ter filhos, devemos deixar nossos empregos", afirma ela. Uma mulher que atuou em recursos humanos revelou à BBC ter testemunhado "pessoas sendo forçadas a sair ou preteridas em promoções após tirar licença-maternidade", o que a levou a decidir não ter filhos.
A difícil escolha das mulheres sul-coreanas
Dados da OCDE indicam que as mulheres coreanas estão entre as mais qualificadas para o mercado de trabalho. Contudo, o país apresenta uma das maiores disparidades salariais entre homens e mulheres, e a taxa de desemprego feminina é superior à masculina.
Diante desse cenário, as sul-coreanas frequentemente se veem diante de uma difícil escolha: priorizar a carreira ou ter filhos. A maioria tem optado pela primeira opção. A expectativa comum de que mulheres se afastem do trabalho por dois ou três anos após terem filhos é, para muitas, uma realidade inviável.
Casamento e maternidade: Desafios sociais adicionais
Nos últimos 50 anos, a economia sul-coreana prosperou em ritmo acelerado, impulsionando as mulheres para o ensino superior e para a força de trabalho, o que ampliou suas aspirações. No entanto, os papéis de esposa e mãe não evoluíram na mesma proporção.
Muitas mulheres se encontram sobrecarregadas com os cuidados dos filhos sozinhas, com seus maridos frequentemente não participando das tarefas domésticas ou do cuidado infantil. Uma mãe, ouvida pela BBC, expressou pesar por muitas mulheres não poderem experimentar a alegria da maternidade devido à "situação trágica a que serão forçadas".
É importante mencionar que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é proibido na Coreia do Sul, e a maioria das mulheres solteiras não consegue autorização para inseminação artificial. Uma ironia demográfica, pois muitas mulheres desejam ter filhos, mas são impedidas.
O reconhecimento governamental
O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, admitiu que as tentativas de solucionar o problema "não deram certo" e que o país era "excessiva e desnecessariamente competitivo". Ele declarou que seu governo passaria a tratar a baixa taxa de natalidade como um "problema estrutural", embora os detalhes de como isso se traduzirá em políticas públicas ainda sejam incertos.
Especialistas estimam que o país necessita de uma taxa de fertilidade de 2,1 para manter uma população estável sem depender da imigração.
Fonte: br.ign.com, www.bbc.com, www.chosun.com, www.dw.com
